Nascido nos confins mais remotos deste mundo, nesta verdejante terra abarcada por intimidantes bosques que nos fazem sonhar, eis a fértil casa do homem mais ilustre da minha terra: Tomáz Pereira.
Nascido no longínquo ano de 1641, em Vale S. Martinho, Tomáz Pereira foi, talvez, um jovem como todos os outros, na sua época. Viveu interiorizando na sua individualidade, a religiosidade colectiva de um povo, outrora tal como ainda hoje, subordinado a uma escravidão moral, perpetuada por uma ausência de razão e pela imposição de mitos como factor privilegiado da vivência e da experiência humana.
Todo esse ambiente, um tanto ou quanto escatológico, fez nascer em si uma ambição missionária de converter o mundo á sua própria fé. Talvez fascinado por um idealismo lúdico, elitista e cerimonial, converteu-se á mais importante ordem religiosa cristã: os Jesuitas.
Foi a 25 de Setembro de 1663, imbuído nesse espírito supra-religioso, quase metafísico, que ingressou na Companhia de Jesus, sendo admitido no Convento de Coimbra. Passados três anos, em 1666, embarca para a India, afim de desenvolver o seu espírito missionário e levar além mar a sua palavra de fé. Ao que consta, tudo lhe correra da melhor forma, era admirado por todos aqueles que o rodeavam devido, em grande parte, á sua capacidade criativa, ao seu espírito de missão e á sua proeminente perspicácia oratória. Já aí se denotava as suas qualidades diplomáticas.
Pouco se sabe da sua estada na India, no entanto, em 1672 e atendendo ao interesse manifestado pelo Imperador Chinês Chang-Hi (Dinastia Ming), desembarca na China.
Tomáz Pereira foi o primeiro homem a introduzir na China a teoria musical ocidental. Este pormenor tornou-o amigo íntimo do Imperador, que o cumulou de honrarias. A maior de todas foi, sem dúvida, o tê-lo feito responsável pelo primeiro documento diplomático entre a Ásia e a Europa (o tratado Sino-Russo de Nerchinsk, 1689). Foi assim feito mandarim, a maior de todas as honras na China Imperial.
A sua amizade, dedicação e devoção ao Imperador, deu os frutos que mais desejava, e em 1692 consegue com que o Imperador introduza na China, a primeira lei de liberdade religiosa. Em agradecimento, o Jesuita escreve ao Imperador:
"Era este o nosso único desejo, a só esperança que nos ia sustentando e o termo a que nos encaminham dia e noite os nossos pensamentos e aspirações: chegar ao felicíssimo momento em que, por graça de Vossa Magestade, nos fora outorgada a liberdade de pregar publicamente neste vasto império o culto do Verdadeiro Deus. Por este motivo, bem o sabe Vossa Magestade, deixámos nossas familias e nossas Pátrias e viemos através de tantos perigos colocar-nos ao serviço de Vossa Magestade. Já nos tinha cumulado de favores sem conta mas a graça que hoje nos faz, excede-os a todos e lhes vem pôr o remate."
Este padre, que chegou a ser presidente do Observatório Astronómico Chinês, centro nevrálgico do pensamento ciêntífico Chinês do Séc. XVII, morreu em 1708 e como última das honrarias do Imperador, este mandou fazer a lápide do seu túmulo e escreveu ele próprio o epitáfio: "foste um perito em música e no calendário, os instrumentos que construíste foram todos oportunos...".
Em 1997, aquando da visita do Presidente da República, Jorge Sampaio, á China, o então ministro Chinês da ciência indicou o nome de Tomáz Pereira para baptizar um instituto de história e ciência Chinês.
Em 2008, Portugal e a China assinalam os trezentos anos da morte deste homem. Um homem práticamente desconhecido no seu País, mas que a sua vida transcênde a nossa tentativa de o conhecer, compreender e admirar.
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