terça-feira, 25 de novembro de 2008

Hallelujah

Aleluia é uma transliteração do hebraico Hallelujah, que significa Elogio ou louvor a Deus. É um elogio ao Criador.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

ESPINOSA

espinosaA chave da Filosofia de Espinosa é o monismo, isto é, a ideia de que há apenas uma substância, a substância divina infinita, idêntica á Natureza: Deus sive Natura, «Deus ou a Natureza». A identificação de Deus com a Natureza pode ser entendida de duas maneiras diferentes. Se considerarmos que «Deus» é, no seu sistema, apenas uma maneira codificada de referir o sistema ordenado do Universo natural, então Espinosa apresenta-se-nos como um ateu menos que cândido. Se, por outro lado, supusermos que ele está a dizer que, quando os cientistas falam de «Natureza», estão na realidade a falar de Deus, então surge-nos, nas palavras de Kierkegaard, como um «homem embriagado de Deus».

O ponto de partida oficial do monismo de Espinosa é a definição de substância de Descartes como «aquilo que de nada mais precisa, senão de si própria, para existir». Esta definição só se aplica literalmente a Deus, uma vez que tudo o resto tem de ser criado por Deus e por Deus pode ser aniquilado. Descartes, porém, contava entre as substâncias não apenas Deus, mas também a matéria criada e as mentes finitas. Espinosa levou a definição mais a sério do que o próprio Descartes e retirou dela a conclusão de que apenas existe uma substância: Deus. A mente e a matéria não são substâncias; o pensamento e a extensão, suas características definitórias, são na realidade atributos de Deus, de maneira que Deus é, simultaneamente, uma coisa pensante e uma coisa extensa. Sendo Deus infinito, argumenta Espinosa, tem de ter um numero infinito de atributos; mas o pensamento e a extensão são os únicos que conhecemos.

Não existem outras substâncias além de Deus porque se existissem, constituiriam limitações a Deus, e Deus não seria, como é, infinito. As mentes e os corpos individuais não são substâncias, mas apenas modos, ou configurações particulares, do dois atributos divinos do pensamento e da extensão. Assim sendo, a ideia de uma coisa individual implica a essência eterna e infinita de Deus.

Na teologia tradicional, todas as substâncias finitas estão dependentes de Deus, seu criador e causa primeira. Aquilo que Espinosa faz é representar a relação entre Deus e as criaturas não em termos físicos de causa e efeito, mas nos termos lógicos de sujeito e predicado. Qualquer afirmação aparentemente sobre uma substância finita é, na realidade, uma predicação sobre Deus; a maneira adequada de nos referirmos a criaturas como nós é utilizando não um substantivo, mas um adjectivo.

Tendo a «substância» um tão profundo significado para Espinosa, não podemos tomar como certo que ela exista de todo. Nem o próprio Espinosa o toma como certo: a existência da substância não é um dos seus axiomas. A substância aparece pela primeira vez, não num axioma, mas numa definição: ela é «aquilo que é em si e concebido por si». Outra das definições iniciais de Deus apresenta-o como substância infinita. As primeiras proposições da Ética são dedicadas a demonstrar que existe, no máximo, uma substância. Só na proposição XI nos é dito que existe pelo menos uma substância. Esta substância é infinita e é, portanto, Deus.

«Na Natureza, nada há de contingente; tudo é determinado pela necessidade de a natureza divina existir e operar de uma certa forma.»

Apesar da necessidade com que a Natureza opera, Espinosa afirma que Deus é livre. Isto não significa que tenha alternativas, mas apenas que existe pela mera necessidade da sua própria natureza e está livre de determinações exteriores. Tanto Deus como as criaturas são determinados, mas Deus é autodeterminado, enquanto as criaturas são determinadas por Deus. Há, contudo, graus de liberdade, mesmo para os seres humanos. Os últimos dois livros da Ética intitulam-se «Acerca da Servidão Humana» e «Acerca da Liberdade Humana». A servidão humana é a escravização ás nossas paixões; a liberdade humana é a libertação por meio do nosso intelecto.

Os seres humanos julgam, erradamente, que tomam decisões livres e não determinadas; não conhecendo as causas das nossas decisões, partimos do princípio de que ela não tem causa. A única libertação verdadeira consiste em tornarmo-nos conscientes das causas ocultas. Todas as coisas se esforçam por persistir no seu ser, ensina Espinosa; a essência das coisas é acompanhada pela consciência, e a esta tendência consciente chama-se «desejo».

o prazer e a dor são a consciência de uma transição para um nível superior ou para um nível inferior de perfeição da mente e do corpo. Todas as outras emoções derivam dos sentimentos fundamentais de desejo, prazer e dor. Mas temos de distinguir emoções activas de emoções passivas. As emoções passivas, como o medo e a ira, são geradas por forças externas; as emoções activas resultam da compreensão que a mente tem da condição humana.

Quando temos uma ideia clara e distinta de uma emoção passiva, ela transforma-se numa emoção activa; a substituição das emoções passivas por emoções activas é o caminho para a libertação.

Temos de afastar, em particular, a paixão do medo, e especialmente o medo da morte. «Um homem livre em nada pensa menos do que na morte; a sua sabedoria é uma meditação, não sobre a morte, mas sobre a vida.»

A chave para o progresso moral é a avaliação da necessidade de todas as coisas. Deixaremos de sentir ódio pelos outros quando percebermos que os seus actos são determinados pela Natureza. Devolver o ódio apenas o faz aumentar; mas responder-lhe com amor derrota-o. Aquilo que temos de fazer é lançar um olhar divino a todo o esquema natural das coisas, vendo-o «á luz da eternidade». Esta visão é, simultaneamente, um amor intelectual de Deus, uma vez que Deus e a Natureza são um só e, quanto mais compreendemos Deus, mais o amamos.

O amor intelectual da mente por Deus é exactamente a mesma coisa que o amor de Deus pelos homens, ou seja, é a expressão do amor-próprio de Deus por meio do atributo do pensamento. Mas, por outro lado, Espinosa adverte-nos para o facto de que «aquele que ama a Deus não pode esforçar-se para que Deus o ame também». Na realidade, se queremos que Deus nos ame em troca do nosso amor, queremos que Deus não seja Deus.

Espinosa rejeita claramente a ideia de um Deus pessoal, tal como é concebido pelos judeus e pelos cristãos ortodoxos. Também considera uma ilusão a ideia religiosa da imortalidade da alma. Para Espinosa, a mente e o corpo são inseparáveis: a mente humana mais não é, na realidade, do que a ideia do corpo humano. «Só se pode dizer que a nossa mente permanece, e que a sua existência tem limites temporais, na medida em que isso envolve a existência efectiva do corpo.» Mas, quando a mente vê as coisas á luz da eternidade, o tempo deixa de contar; o passado, o presente e o futuro são iguais, e o tempo é irreal.

Para Espinosa, não devemos preocupar-nos com o futuro nem sentir remorsos relativamente ao passado. A existência definitiva de qualquer mente como parte do Único Universo infinito e necessário é uma verdade eterna; olhando as coisas á luz das verdades eternas, a mente capta o Universo interminável, necessário e eterno. Nesse sentido, qualquer mente é eterna, e pode-se considerar que existia antes do nascimento e que existirá depois da morte. 

 

 

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Fonte: KENNY, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, Temas e Debates, Lisboa, 2003.

DESCARTES – O papel dos Sentidos

descartes Para Descartes, as nossas ideias das coisas sensíveis representam alguma coisa importante acerca da verdadeira natureza das coisas. As ideias sensoriais assemelham-se ás coisas. Os sentidos não nos dão um conhecimento no sentido mais pleno da palavra, eles têm uma outra função diferente.

Teoria Semiótica dos Sentidos:

Em Descarte, permanace a ideia de que os sentidos dão-nos sinais em relação ao meio ambiente e nós somos mecanismos de interpretação do meio ambiente.

A nossa relação semiótica não tem a ver com a verdade e falsidade. Há uma relação semiótica com a realidade proporcionada pelo corpo/sentidos.

O corpo é o instrumento que lê sinais da realidade, que assinala dano e vantagem desses sinais e a reacção do organismo a esses sinais permite ao organismo reagir a esse ambiente. A sede, por exemplo, é a reacção normal do organismo a um estado de desiquilibrio, o sinal é a secura na garganta mas podia ser outro.

  descartes-reflex          Descartes_De_homine

Queimar-me, é uma sensação externa, que designa um ambiente hostil e que não devo manter esse contacto porque é prejudicial para mim.

Os sentidos são algo diferente do que os Aristotélicos pensavam, não nos dão acesso ao conhecimento, mas orientam-nos para algo material. Não nos fazem saber a essência do mundo, dão-nos a superfície das coisas, mas são necessários, tem um papel prático, por exemplo, eu preciso de ver ou sentir para não me queimar.

Os sentidos são um complemento da ciência, da medicina, que precisam de detalhes físicos. Usar os sentidos para conhecer, é importante, mas o intelecto é que penetra nas coisas. Para Descartes, um mecanismo funcionar para aquilo que lhe é próprio, não é entendimento.

Os sentidos não dizem a verdade do mundo material. Os sentidos dão sinais de aviso que são vantajosos para nós enquanto seres materiais.

Quando recuperamos a confiança nos sentidos, concluiremos que, tal como dizia Platão, «sou uma coisa pensante com um corpo».

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Jakub Nepras – Babylon Plant

Em setembro, aquando de uma visita ao Museu Berardo, deparei-me com uma obra deveras impressionante, Babylon Plant. Esta obra, inovadora, representa a tecnologia de sobreposição de videos digitalmente trabalhados, engendrando um microcosmos impressionante. Algo que se pode reflectir critíca e filosóficamente.

Absolutamente recomendados.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Deveres de Hospitalidade

«Na antiga Grécia, existia um inviolável código de paz, enviado por Zeus, ao qual estavam abrangidos homens e deuses. É a obrigação de receber bem todo e qualquer estrangeiro, de prestar cuidados, auxilio, hospitalidade.
Qualquer pessoa, viajante, de passagem, bastava bater á porta, da forma mais prosaica do mundo, e seria recebido directamente pelo dono da casa. Este, abstendo-se de qualquer inquérito prévio, de forma a não configurar interesse mercantil, imediatamente disponibilizava uma escrava que, com uma bacia de água, sabão e panos limpos, oferecia ao estrangeiro para higiene e conforto inicial. O visitante lavava o rosto, as mãos e era imediatamente conduzido aos seus aposentos. Lá, encontrava acomodações e roupas limpas. O seu cavalo era tratado. O dono da casa instruía todos sobre a cordialidade para com o hóspede e durante cerca de dois ou três dias, era um banquete apreciável. Disponibilizava-se o que de melhor havia na casa: pães, azeites, frutas raras, vinho, faizões e cordeiros.
Ao fim destes dois ou três dias de festejos e fartura, finalmente o hóspede sentia-se compelido a, diante do seu anfitrião, da mulher deste e dos filhos, falar sobre a sua origem, os seus pais, a sua terra e, principalmente, o propósito da sua visita. Este propósito poderia ser uma simples viagem, algum interesse comercial, um comunicado importante, um chamado, um circunstancial e delicado momento de necessidade pecuniária, etc.
Não havendo relato e portanto ressonância de uma hospitalidade anterior, de qualquer modo, estava semeada a Paz. O anfitrião tinha como certo, o digno recebimento de algum dos seus em terras estrangeiras. Nessas ocasiões, muitas vezes, ocorria a rememoração de que algum ancestral, parente, amigo ou conhecido do anfitrião havia recebido hospitalidade por parte dos pais, parentes ou amigos do visitante e, nesses instantes, a camaradagem era sobreposta a tudo o mais. Celebrava-se e brindava-se ao 'pagamento' da Paz com a Paz. O hóspede, agradecido, despedia-se e prosseguia no seu caminho. O anfitrião sentia-se enobrecido por ter semeado ou simplesmente, selado a paz, perpectuado-a através do seu honroso gesto.
Nem sempre imperava a Paz nesse acordo tácito. Não eram raras vezes em que o viajante encantava-se com a esposa ou com uma das filhas do seu anfitrião. Acaso acontecesse, estava declarada a guerra.
Ser acolhido, bem recebido, e retribuir toda a distinção e apreço com uma aviltante traição era inadmissível! Violar uma regra sagrada era incitar á guerra!
Narra Homero, na Ilíada, que Páris, irmão de Heitor, filhos de Príamo e Hácuba, Reis de Tróia, violou essa lei. Ao sequestrar Helena, mulher de Menelau (mesmo tendo ido por sua livre e espontânea vontade) selou o trágico fim de uma dinastia. Todos os Gregos se aliaram a Menelau, irmão de Agamémnon, Rei de Esparta, para a guerra. Tróia foi destruída. Sucumbiu por ter incorrido no erra de ter acobertado o mais famoso adultério da história do mundo antigo. Tróia atraiu a guerra.»

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Um texto de Luciene Félix - professora de Filosofia e Mitologia Greco-romana da ESDC.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

A Questão Homérica

Que data deveremos atribuir a esse acontecimento que é a passagem da recitação dos versos pela memória para a fixação na escrita? Quem terá sido Homero: um bardo ou o epónimo (personagem que dá o nome) de uma comunidade de poetas? Terá sido ele o autor dos dois poemas: a Ilíada e Odisseia?
Estas perguntas, impossíveis de responder com certeza, além de outras que lhes estão ligadas, ocupam há cerca de vinte e três séculos, os estudiosos dos poemas, constituindo a questão homérica. Das multiplas interrogações a que foi dando origem avulta uma que, a partir dos anos 30, se tem afirmado como fulcral para a compreensão dos poemas, a saber, a do seu modo de composição.
Foram as investigações de Milman Parry que, no final dos anos 20, vieram a inspirar uma das interpretações que maior aceitação tem tido nos nossos dias: aquela que aqui se tem pontualmente apresentado.
Defende essa escola a génese oral dos poemas, a partir de um ciclo de cantos que, através dos tempos, gerações de bardos teriam vindo a reproduzir e ampliar. Como vimos, no início do século VIII a.C., um bardo, ou uma comunidade que adoptou o seu nome, ter-se-á devotado á empresa de lançar por escrito a Ilíada e a Odisseia.
Á primeira vista, perante a extensão e a diversidade dos cantos que relatavam o ciclo troiano, a tarefa mais delicada residiria na composição unitária dos poemas, como corpos coerentes e autónomos. Esta exigência determinou a narração dos factos segundo uma perspectiva temática, que não hesita em desprezar momentos cruciais na narrativa:
'canta, ó Musa, a cólera funesta de Aquiles...'
a proposição expressa nos dois primeiros versos da Ilíada obriga a serem postos de parte acontecimentos como as causas e o início da expedição, a morte do herói, a queda e a destruição de Tróia e as circunstâncias em que decorre o regresso dos combatentes ás suas terras. Do mesmo modo, na Odisseia, o tema dos errores de Ulisses acomoda sucessívos episódios numa narrativa em que a ordem cronológica é repetidas vezes sacrificada á cuidadosa preparação do clímace: o reconhecimento de Ulisses por Penélope e a carnificina dos pretendentes.
O produto de tanto engenho são dois grandiosos polípticos, em que várias sociedades são retratadas através da descrição de episódios das vidas das suas personalidades mais ilustres. Mas o factor que mais poderosamente terá contribuído para assegurar o interesse das gerações vindouras terá sido o quadro ético-político que os poemas condensam. O modelo do herói homérico impõe-se como a expressão de um ideal de vida, que os gregos - e muitos outros, depois deles - nunca perderão de vista, mesmo quando abertamente o questionam.
Todavia, o que aqui nos prende é a importância e o significado destes poemas, quer como persistencia da memória oral dos Gregos, quer como momento de introdução da tecnologia que futuramente determinará as condições de sobrevivência de qualquer mensagem cultural. Referimo-nos á escrita.
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Fonte: SANTOS, José Trindade, Antes de Sócrates, Gradiva, 1992

Cultura Clássica – A Ilíada

AchillesAmbrosianIliad A Ilíada de Homero é o poema do homem na guerra, dos homens consagrados á guerra pelas suas paixões e pelos deuses. No entanto, a piedade é mais forte do que a vingança. A Ilíada fala do amor da glória que eleva o homem á altura dos deuses.

Acima de todas as coisas, este poema, fala do amor da vida, e também da honra do homem, mais alta que a vida e mais forte que os deuses.

A Ilíada retracta um episódio único, que dá a todo o poema a sua unidade de acção, é o da cólera de Aquiles, da sua querela com Agamémnon, rei de Micenas e chefe da expedição contra Tróia, e das consequências funestas desta querela para os Gregos-Aqueus que assediavam Tróia.

 ‘Canta-me, ó deusa, a cólera funesta de Aquiles…’

Agamemnon, chefe supremo, exige de Aquiles, o mais valente dos Gregos, «muralha do exército», que lhe ceda uma bela cativa, Briseida, que lhe coubera quando da partilha de um saque. Aquiles recusa-se, indignado, a ser privado de um bem que lhe pertence. Na assembleia do povo armado, onde esta exigência lhe é feita, insulta gravemente Agamemnon («Ó ser vestido de imprudência, avaro…, descarado, focinho de cão…, odre de vinho, coração de servo…»), queixa-se de suportar sempre o fardo mais pesado do combate e receber em troca uma parte inferior á de Agamemnon. Aquiles pronuncia diante de todos os seus camaradas o juramento solene de se retirar da batalha e de se fechar na sua tenda, de braços cruzados, enquanto não tiver recebido de Agamemnon reparação da afronta infligida á sua bravura. Assim o faz.

‘ pois agora vou para Ftia, já que é muito melhor ir para casa. […] não tenciona ficar aqui sem honra…’

A sua retirada – e, com ela, a dos mirmidões – tem para o exército dos Aqueus as mais graves consequências. Na planície, sob os muros de Tróia, sofrem três derrotass, cada uma mais desastrosa que as outras. Os Tróianos, comandados por Heitor, filho de Príamo, avançam pela planície, preparando-se para deitar fogo aos barcos dos Gregos, para lançar o seu exército ao mar.

Ao longo destes duras batalhas, a ausencia de Aquiles, torna-se no sinal evidente da sua força e do seu poder. Os mais valentes dos chefes Aqueus – o maciço Ájax, filho de Télamon, o rápido Ájax, filho de Oileu, o fogoso Diomedes, e muitos outros mais, em vão se esforçam por substituir Aquiles. Mas Aquiles encarna em si, toda a cirtude guerreira, sem falha nem fraqueza. Possuindo tudo e recusando tudo, provoca a derrota de todos.

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achilles

Numa noite trágica, entre dois desantres, enquanto na sua tenda se atormenta na inactividade a que se condenou e que lhe pesa, Aquiles vê vir do campo dos Gregos uma embaixada de que fazem parte dois dos grandes chefes do exército: Ájax, o primeiro defensor dos Gregos depois de Aquiles, tão teimoso como um burro puxado por crianças, o subtil Ulisses que conhece todas as voltas do coração e da palavra. A estes dois guerreiros se juntou o velho que criou a infância de Aquiles, o tocante Fénis, que lhe faz ouvir a palavra e como que o apelo insistente de seu pai. Os três lhe suplicam que volte, que não falte á lealdade que o soldado deve aos seus camaradas, que salve o exército.

Aquiles recusa, ferido ainda no seu orgulho e na sua honra, e vai mais longe: declara que no dia seguinte retomará os caminhos do mar com as suas tropas e voltará ao lar, preferindo uma velhice obscura á glória imortal, que escolhera, de morrer novo diante de Tróia.

Mas, vem o dia seguinte e Aquiles não parte.

Ao ver a destruição iminente dos Gregos, Aquiles mostra-se sensível ás suplicas do mais querido dos seus companheiros, Pátroclo. Pátroclo, em lágrimas, pede ao seu chefe que lhe permita combater em seu lugar, revestido dessas ilustres armas de Aquiles, que não deixarão de amedrontar os Troianos. Pátroclo repele os Troianos para fora do campo, longe dos barcos, mas nesta brilhante contra-ofensiva que dirige, esbarra com Heitor que lhe faz frente. Heitor mata Pátroclo em combate singular, não sem que Apolo invisível tenha ajudado a esta morte que, obtida pela intervenção de um deus, se assemelha a um assassínio.

‘A alma evola-se dos seus membros para a mansão do Hades, gemendo a sua sorte, ao deixar a força da juventude.’

A dor de Aquiles, ao saber da morte do amigo, é assustadora. Jazendo no chão, recusando alimentar-se, arrancando os cabelos, sujando as roupas e o rosto de cinza, Aquiles soluça e pensa em morrer.

Por mais viva que tenha sido anteriormente a ferida infligida á sua honra por Agamemnon, a morte de Pátroclo cava em Aquiles abismos de sofrimento e de paixão que o fazem esquecer o resto. Mas é esta mesma dor que o restitui á vida e á acção, desencadeando nele uma tempestade de furor, uma raiva de vingança contra Heitor assasssino de Pátroclo e contra o seu povo.

Assim se opera no poema, uma reviravolta completa da acção dramática.

Aquiles volta ao combate. É a sua batalha, a da carnificina terrível que ele faz de todos os Troianos que encontra no caminho. Derrotado o exército Troiano, Aquiles fica cara a cara com Heitor. Chegou o momento mais desejado de vingança de Aquiles.

O combate singular de Heitor e de Aquiles é o ponto culminante da Ilíada. Heitor combate como um valente, com o coração todo cheio de amor que dedica á mulher, ao filho, é sua terra. Aquiles é mais forte. Os próprios deuses que protegiam Heitor se afastam dele. Aquiles fere-o mortalmente. Leva para o campo dos Gregos o corpo de Heitor, não sem o ter ultrajado: ata o inimigo pelos pés á retaguarda do seu carro de guerra e com uma chicotada faz correr os cavalos, «e o corpo de Heitor era assim arrastado na poeira, os seus cabelos negros desmanchados, a cabeça suja de terra – essa cabeça antes tão bela, que Zeus agora entregava aos inimigos para que eles a ultrajem sobre o solo da pátria».

O poema não termina com esta cena. Aquiles, a quem Príamo vai suplicar na sua tenda, entrega-lhe o corpo do desgraçado filho. Heitor é sepultado pelo povo Troiano com honras fúnebres. Os lamentos das mulheres, os cantos de luto que elas improvisam, falam da desgraça e da glória daquele que deu a vida pelos seus.

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Fonte: BONNARD, André, A Civilização Grega, Tradução de José Saramago, Edições 70, Lisboa.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

É Preciso Reflectir. É Preciso Acreditar!

O tempo avança mais rápido do que imaginávamos. É preciso compreender e é preciso acreditar. A mudança está em cada um de nós e a responsabilidade pesará sempre nos nossos ombros e na nossa consciência. É PRECISO ACREDITAR!

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Il Uomo Bianco


"Quando l'ultimo albero
sará abbattuto
l'ultimo fiume avvelenato
l'ultimo pesce pescato,
ti accorgerai, uomo bianco,
che non potrai mangiare
il tuo denaro"*











Tradução livre: "quando a última árvore for abatida, o último rio envenenado, o último peixe pescado, tu perceberás, homem branco, que não poderás comer o teu dinheiro".
* da Sakonkwenonkwas, messaggio di una dona indiana ai capi delle nazioni occidentali

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Ernesto Cardenal


Ernesto Cardenal é um importante poeta nicaraguense, nascido a 20 de Janeiro de 1925 na cidade de Granada. Partidário do grupo de ideologia revolucionária da Teologia da Libertação, em 1965 foi ordenado padre pela igreja católica ao qual viria a ser despojado em 1979 quando aceitou ser ministro da cultura do governo sandinista da Nicarágua. Em 1983, aquando da visita de João Paulo II á Nicarágua, Ernesto foi severamente admoestado pelo papa, acusando-o de difundir doutrinas apóstatas. Ultimamente tem vindo a ser perseguido no seu país, principalmente pelo presidente Daniel Ortega que mantém com este quezílias de sentido ideológico.

Deixo aqui o seu belo poema Al perderte yo a ti:

Ao perder-te eu a ti
tu e eu teremos perdido.
Eu, porque tu eras
o que eu mais amava;
tu, porque era eu
que te amava mais.
Mas, de nós dois
tu perdes mais do que eu.
Porque eu poderei amar a outras
como amava a ti,
Mas a ti não te amarão mais
do que te amava eu!

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A caminho do pecado

Os mortos de Pequim (Beijing)!

A sonoridade de Beijing é terna, doce, suave, de aroma a morangos silvestres e a amoras roxas.
É porventura, nesta capital do norte, que se dará o maior acontecimento desportivo do ano, em todo o mundo: os Jogos Olímpicos.
Desfilarão de bandeira em riste, inúmeras nações ditas democráticas e paulatinas dos direitos humanos, mas nenhuma vociferou o que quer que fosse. Faltam 15 dias!!!

Montado num espectáculo dantesco, continuará o mundo maravilhado pela política repressiva e folclórica de um governo (dito comunista!!!) contra 1/6 da humanidade. Tudo passa...

Como diria Marx e muito bem, o pior inimigo do comunismo são aqueles que se dizem comunistas, sem o serem. Aqueles que aproveitam-se de uma filosofia perfeita e impõem a um povo, uma política surreal de proveito próprio.

Quando a supremacia do bem próprio esmaga o bem comum, tudo acaba por ruir, não só a vida mas a própria noção de vida; não só os valores, mas a própria noção de valores; não só a natureza mas tudo aquilo que ela representa e que a constitui. Perece diante do homem tudo aquilo que foi construído, e o Bem e a Justiça permanecerão para a eternidade como mitos de um saber inalcançado.

É tempo de agir! É tempo de mudar!
O tempo urge!

quarta-feira, 16 de julho de 2008

'A Morte de Ivan Ilitch'

«'-Acabou-se!
Acabou-se a morte... já não existe.'
Inspirou o ar, parou a meio de um suspiro,
esticou-se e morreu.»

A morte de Ivan Ilitch, revelou-se para mim, como o maior de todos os livros acerca da experiência da morte. Os pormenores, os movimentos, as ideias, o murmúrio e o desespero, dos dolorosos processos iniciais e da certeza profunda do fim.

Lukacs estava enganado, isto é verdadeiramente um livro de morte, o livro da morte, uma evidência e não uma negação, uma contemplação e não um renegar do facto.

Tolstoi suscita em nós, uma dor profunda duma experiência revista apenas nos outros. A alteridade permite-nos vivenciar no outro a maior e mais fantástica de todas as transformações, aquela que é única e última, que subjaz em nós, todo o significado de existência, que purifica e regenera o nosso próprio espírito.

Ivan ilitch era um grande homem!
A sua morte reveste-se de um profundo sentir, de um profundo espaço de amor e dor.

A morte de Ivan Ilitch é sem sombra de dúvidas, a mais perfeita e sincera novela da literatura mundial.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Drawing It out

drawing_it_out Verdadeira obra prima na compreensão dos estudos psicadélicos.

Através duma a experimentação real e in-loco, Sherana Harriette Frances viveu, escreveu e retratou neste magnífico livro, as suas próprias experiências com substâncias alucinogénicas, nomeadamente com a dietilamida do ácido lisérgico, mais conhecido como LSD-25.

As suas experiências libertadoras permitem compreender e interpretar de forma genuina esta problemática, capaz de fazer-nos interrogar acerca do sentido dos verdadeiros sentidos.

Drawing it Out é uma obra absolutamente obrigatória, para quem, como eu, quiser contemplar o retracto de uma mulher que correu o risco de se libertar das garras prisioneiras do medo e da incertaza, e navegar pelo desconhecido rumo á libertação dos sentidos pela consciência.

Drawing It out é o retrato mais sublime dum mundo potencialmente real, inacessível ao homem comum, limitado nos seus próprios sentidos.

Quereremos e saberemos transpor a barreira da libertação?

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Chinese - Propaganda Posters

Chinese_PropagandaPara quem quiser perceber o alcance e a dimensão da máquina de propaganda chinesa no século XX e neste inicio de novo milénio, pela mão da Taschen, acaba de sair esta preciosidade visual, produzindo no leitor e contemplador, uma reflexão profunda na sua forma de ver um mundo além do seu.

Uma obra que funcionará como marca delimitadora entre uma China sombria e indefenivel até  á sua potencial transmutação.

Aos olhos de uma revolução do proletariado, a cor e a imagem funcionam como simbolo vivo duma cultura que é necessária e oportuna.

A imagem tem de funcionar como uma elo de ligação entre o povo e o povo, entre o mestre e o discípulo, entre a igualdade e a liberdade.

A China segue o seu percurso, nas teias de uma eterna revolução, sedenta de triunfar!

Da Internacional Situacionista

Aviso_aos_alunos Um dos movimentos mais interessantes e enigmáticos do maio de 68, foi sem dúvida, o movimento da Internacional Situacionista.

Um dos seus mentores mais ilucidados, foi sem dúvida Raoul Vaneigem, que com Guy Debord permaneceram como porta estandarte deste movimento.

A propósito, terminei de ler o maravilhoso e intoxicante Avertissement Aux Écoliers Et Lycéens, numa edição portuguesa da Antígona de 1996.

Deixo um pequeno aroma de essência única, desta dolorosa flor de outono.

"Dentre as drogas legais, a escola é hoje uma das mais notáveis, por ser obrigatória. Este livro, que não é nenhum guia, vem pôr um conjunto de interrogações a propósito dum fenómeno veridicamente espectacular: como pode ainda a energia juvenil suportar a escola?

A contestação radical do sistema escolar, que nos anos 60 e 70 foi uma festa endiabrada, parecia ter-se evaporado entretanto, diluída no mais recente conformismo juvenil. Parecia - porque esta escola, quanto a ela, só pode seguir a evolução que é a sua: a de uma coisa a cair de podre e a meter água por todo o lado. Parecia - porque ninguém tem a lata de afirmar que a presente geração escolarizada é feita só de marrões e de carneiros. A questão á malta é só uma: que continuam os jovens a fazer numa escola destas? Logo seguida de proposta interrogada: não terão mesmo nada de melhor a fazer das suas vidas?"

"Após ter arrancado o aluno ás suas pulsões de vida, o sistema educativo passa a empanturrá-lo artificialmente, com vista a conduzi-lo ao mercado de trabalho, onde há-de continuar a recitar até à náusea o refrão aprendido nos verdes anos: que ganhe o melhor!

Mas ganhe o quê? Mais inteligência sensível, mais afeição, mais serenidade, mais lucidez sobre a sua própria existência, mais criatividade? Não senhor - mais dinheiro e mais poder, num universo que deteriorou o dinheiro e o poder à força de por eles ser deteriorado."

Como disse... absolutamente intoxicante!!!

quarta-feira, 2 de abril de 2008

A Sabedoria dos Ditados


"Quem diz as verdades, perde as amizades"
S. Tomás de Aquino


"A verdade gera o ódio"
S. Tomás de Aquino


"Homo de humo"
"O homem é feito da terra".
(S. Bernardo)


"Fu Shui Nan Shou"
"Não adianta chorar o leite derramado"
Provérbio Chinês

sexta-feira, 21 de março de 2008

Katsushika Hokusai (1760-1849)

Há uns anos vi-me confrontado com uma curiosa história acerca de um quadro misterioso.


Não vou falar desse assunto porque acho que há mistérios insondáveis que merecem permanecer na penumbra das memórias. De qualquer forma, o quadro referido na história chamava-se The Great Wave - Kanagawa oki nami ura, e pertence ao mais famoso e enigmático dos pintores japoneses, K. Hokusai.


Foi nessa altura que descobri este magnífico pintor que retrata na perfeição os caminhos simples do homem, do tempo e do espaço que o rodeia. É um Japão do Séc. XVIII E XIX que se vislumbra nestas telas geniais que nos fazem perceber uma orientalidade mística e um sentido dislumbrante da beleza simples do mundo. É uma alucinação em acto e uma perfeição em potência.



A este propósito, acaba de sair uma edição da Prestel de, «HOKUSAI - Prints and Drawwings» de Matthi Forrer, que compacta em 230 páginas as obras mais emblemáticas do autor e o seu percurso estilístico num contexto subjectivo de compreensão e significação.



Absolutamente recomendado!!!



quarta-feira, 5 de março de 2008

Reflexão


Quando a vida vive de ameaças, tudo acaba mal...


O caminho faz-se a cada momento e percorre-se andando. Nós, ou somos boas pessoas e ajudamos, ou somos absurdamente ignorantes e atrapalhamos. É uma escolha única.


Ninguém precisa de se depreciar tanto, ao ponto de se considerar superior ao outro. Enevoada, a verdade está sempre encoberta em falsos pressupostos irracionais, nos quais a mentira se revela.

A mentira em si, é inofensiva, o mentiroso é um parvo, e a culpa é somente daquele que acredita na ignomínia.


Estamos na luta, continuamos a lutar e venceremos!

domingo, 2 de março de 2008

O Libanês


Khalil Gibran foi, sem dúvida, o maior poeta e pensador da história recente do Libano. Nascido em 1883, mergulhou nas profundezas do espírito do homem, na essência e na sua condição, reflectindo profundamente acerca da vida e do seu significado. Viveu em Paris, conhecendo e convivendo com Rodin, Debussy e Edmond Rostand. Para a história, fica a sua capacidade de compreender a problemática necessidade do homem conhecer a sua condição humana, social e religiosa. Morreu em 1931, deixando para a posteridade a sua obra-prima O Profeta.

Ao lermos toda a sua obra, tenderemos a dar razão a Derrida quando diz que escrever é um acto "autobiotanatográfico", ou seja: o autor escreve de si, sobre si e para si e a sua escrita é um acto de morte, é algo que se perde, que se arranca ao seu ser para contemplar a humanidade.

Deixo-vos um seu magnífico texto sobre a amizade, a quem dedico a uma amiga muito especial, que foi contemplada com o prazer de gerar vida na sua própria vida.

A Amizade

Um jovem disse: Fala-nos da Amizade.

- O vosso amigo é a resposta ás vossas necessidades. É o vosso campo semeado com dedicação e amor. É a vossa mesa e a vossa casa, porque recorreis a ele para saciar a vossa fome e para vos recolher na paz da sua amizade.

Quando o vosso amigo revela o seu pensamento, não temais o não do vosso próprio espírito, nem lhe recuseis o sim. E quando ele estiver silencioso escutai com o coração o que ele diz.

Porque na amizade todos os pensamentos, todos os desejos, todos os sonhos nascem sem palavras e partilham-se numa alegria de silêncio.

E quando tiverdes que vos separar do vosso amigo não vos preocupeis, porque aquilo que mais amais nele fica ainda mais claro na sua ausência, como para o alpinista para quem a montanha é muito mais nítida quando a olha da planície.

É que não há outro fim na amizade a não ser o aprofundamento do espírito. Como o amor que busca algo mais além da revelação do seu próprio mistério, não é amor, mas uma rede atirada onde apenas o inútil fica preso, é que o melhor de vós deve ser oferecido ao amigo.

Se ele tem de conhecer o refluxo da vossa maré, que conheça também o fluxo. pois, para que servirá o amigo se o procurais apenas para matar o vosso tempo?

Buscai-o antes nas horas vivas, porque ele está ali para resolver a vossa necessidade de consolo e não para encher o vosso vazio.

E que na doçura da vossa amizade exista também o riso e os pequenos prazeres partilhados. Porque no orvalho das pequenas coisas é que o coração encontra a sua manhã e a sua frescura.

Fonte: Poesia mais-que-perfeita, Alma Azul, 2005

sábado, 23 de fevereiro de 2008

'Baixio das Bestas'


"Baixio das Bestas"

Visionei hoje, o meu primeiro grande filme do ano!

Esta pérola do avançado ciname brasileiro, realizado por Claudio Assis, coloca-nos perante uma reflexão filosófica acerca da condição humana.

Filmado com uma veracidade impressionante, baseado no processo intrínseco das desigualdades sociais, culturais e educacionais, que proporciona, aos degredados da vida, um ambiente rústico de pobreza, de miséria, de prostituição, de loucura, de dor em pensamento, de tudo e de nada... É a condição humana na sua forma mais animalesca. É um filme absolutamente perturbador, no entanto obrigatório e necessário!!!

Vencedor do "Tiger Award" no 36º Festival internacional de Cinema de Rotterdam, Baixio das Bestas possivelmente nem chegará a Portugal, faz parte daquele segmento de cinema do qual, "as massas" não gostam - é muito duro e cansa ter que pensar, reflectir e questionar... - no entanto, este filme ficará na história do cinema como a representação cinematográfica do decadentismo humano, em que prevalece uma visão pessimista do mundo, onde a inclinação estética é marcada pelo subjectivismo moral, pela descoberta das inconsciências universais e pelo gosto das dimensões misteriosas da existência.

Absolutamente essencial e obrigatório!!!












Case Study!!!


No Expresso de hoje, vem uma crónica deliciosa, de José Fialho Gouveia, acerca da inacreditável estupidez de "alguns!!!" americanos.

Abaixo, na integra, a respectiva crónica.

«É a Hungria, estúpida!»

"Na versão norte-americana do concurso Sabe Mais do que um miúdo de 10 Anos, aconteceu um hilariante momento de televisão. Hilariante e ao mesmo tempo preocupante, pois mostra uma das facetas mais negras dos EUA: o umbiguismo e a falta de noção do resto do mundo. A pergunta nem era extremamente difícil: 'De que país europeu Budapeste é a capital?'. A concorrente, uma ex-participante do American Idol (Ídolos, na SIC), ficou estupefacta com semelhante questão e exclamou: «Eu pensava que a Europa era um país...». O descalabro continuou. Deduziu que em princípio se falava francês em Budapeste, mas tinha dúvidas de que França fosse um país... Decidiu - pelo menos um laivo de esperteza - copiar a resposta. Teve sorte que o miúdo sabia, mas confessou que nunca tinha ouvido falar de um país chamado Hungury, apenas de Turkey (Turquia) - hungry em inglês significa fome e turkey significa peru. É possível ver o video em: www.youtube.com/watch?v=juOQhTuzDQ0.

Na mesma linha também merece ser visto um outro vídeo: Are American Stupid? (www.youtube.com/watch?v=S3X1K93ff51). Segundo se percebe, um repórter de um site humorístico (entretanto desactivado) da ABC vai para a rua fazer algumas perguntas de cultura geral aos seus fellow americans. Ninguém consegue dizer um país começado por 'U', apesar de viverem nos United States of America. Há quem arrisque Yugoslavia e até Utah. Outras pérolas: 'israelismo' é a religião dos israelitas; Fidel Castro é um cantor; Tony Blair é um skater; Kofi Annan talvez seja uma bebida com café (coffee); Alemanha é um dos países do Eixo do Mal; uma mesquita (mosque) é um animal; já houve três guerras mundiais e Hiroshima e Nagasaki são dois lutadores de sumo... Talvez nestas respostas resida o segredo da reeleição de Bush."

Dá que pensar e questionar até que ponto em Portugal as coisas são diferentes...

A Lanterna



Um homem caminhava apressadamente em plena noite e, ao virar uma esquina, tropeçou violentamente com outro que segurava uma lanterna. O que tropeçara começou a repreender o outro com maus modos e já ia dar-lhe um murro, quando se apercebeu de que ele era cego. Então, perguntou:

- Por que diabo anda com essa lanterna se é incapaz de ver seja o que for?

o cego repôs:

- Para aqueles que, tendo olhos, deviam ver, mas nada vêem. para que não sejam tão negligentes. Precisamente, para que me possam ver a mim em vez de chocar comigo.

Quantas vezes reclamamos a atenção dos outros e nem sequer temos a nossa alerta! A atenção ajuda-nos aqui, agora e em qualquer circunstância. Alerta, mas sereno; atento, mas tranquilo. A mente atenta e calma é a mente meditativa, que se abstrai do rebuliço e da dispersão e abre os sentidos para a realidade imediata.

Fonte: Texto retirado integralmente do livro, «Os Melhores Contos Espirituais do Oriente», de Ramiro Calle, edição Esfera dos Livros.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

1000 Razões



Um livro muito interessante veio ter-me ás mãos: "1000 Razões Para Ler Um Livro". A sua história é deveras fascinante. Merece ser contada.
Pediu-se a 1000 pessoas que escrevessem uma razão, cada uma, para lêr um livro! Tudo está compilado neste pequeno manuscrito,em que as verbas resultantes da sua venda revertirão, integralmente, para a criação da primeira Biblioteca Alma Azul, numa aldeia da Beira Baixa com menos de 1000 habitantes. Fascinante!!!

Ao meio do livro, surgiu um separador interessante, que faço questão de descrever:

"MEDITAÇÕES"
Não é necessário saíres da tua casa. Continua á mesa,
ouve. Não ouças sequer, espera simplesmente.
Não esperes, sê absolutamente silencioso.
Acredita que o mundo irá oferecer-se para se desmascarar,
não pode agir de outro modo;
sob o teu encanto, desenrolará os seus anéis a teus pés.
Franz Kafka in Meditações

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Magazine Artes (Fevereiro)


Muitas e interessantes matérias para ler, desde logo:
  1. - a publicação de uma estrevista a Luis Pacheco, in memoriam, que nos faz a retrospectiva da sua vida. (acho deliciosa a história dos 200 contos dados pelo Dr. Mário Soares e de não dar "uma" desde 1975.)
- uma reportagem, "Anjos do Deserto, acerca do Livro "Dona Maria und lhre Träume", com ilustrações de Horst Friedrich, sobre as terras áridas e as paisagens calcinadas dos desertos da Venezuela .
  1. - Em foco, "A intolerância segundo josé Saramago", sobre o espectáculo "In Nomine Dei", levado á cena no centro Andaluz de Teatro, com belas fotografias da peça.

- O Fantasporto 2008, que está aí á porta! Este ano com uma retrospectiva do cinema da Dinamarca.

- Cinema (No Vale de Elah; A caminho de Yuma; Sedução, Conspiração) ; a 2ª Mostra do Documentário Português - Panorama.

- A notícia de uma exposição patente na Faulconer Gallery, Grinnell College, denominada «De onde vens? Arte Portuguesa nos EUA», que além de exposição, contempla debates e concertos musicais.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Drunken Old Woman


Os Gregos eram perfeitos!


Esta escultura, de uma velha bêbada, mostra sem reservas uma mulher envelhecida, cheia de rugas e com a face contorcida, agarrada a um vaso de vinho, contornando belos ornamentos. Data de 190 a.C., sendo atribuida a sua criação, a um tal de Myron.


Costumo dizer, que nos apaixonamos simplesmente por aquilo que achamos perfeito, e eu apaixonei-me por esta imagem, toda a sua expressividade, os seus contornos, o seu simbolismo, o facto de ser estática mas com um "movimento" perpétuo, tudo é extra-ordinário.


Ela impera até doer!


Vem isto a propósito de uma visão que mudou toda a minha maneira de pensar a vida. Há cerca de dois anos, numa véspera de Natal, indo buscar uns amigos para um jantar, deparei-me com um triste mulher, já velha, completamente bêbada, agachada na beira de um caminho, abandonada, isolada de todo o mundo, absolutamente só! Nem gosto de pensar nisso, doeu-me mais a mim do que, possivelmente, a dor que sentia ela naquele momento. Foi tão triste, inesquecível!Inimaginável!

O certo é que, por insistência, cuidamos de chamar a família ou alguém que acudisse. Aquilo mexeu comigo, fez-me sair da redoma em que se encontrava a minha vida, e ver que vivemos num mundo de dor e sofrimento. É incompreensível.

Nunca mais soube dessa pobre mulher, ás vezes acredito que foi apenas uma visão, qual Sidharta e as suas visões fugases, mas não, foi antes uma premonição acerca da vida e da realidade, que é tão dura... Porque será que o belo se associa, ou recorre, tantas vezes á dor?



"Aqui é o Paraíso"

Terminei há dias a leitura deste livro de Philippe Grangereau, baseada no relato de Hyok Kang, sobre a sua vivência na Coreia do Norte.



É um relato contundente, de como uma boa filosofia de pensamento político, o comunismo, é um desastre quando aplicado.



Kim Il Sung e Kim Jong Il, são os dois homens, que sob a capa do comunismo, impõem ao seu povo (ou o que resta dele), uma politica ostracizante e desumana.

Este livro vem decorado com desenhos do jovem narrador, e que expressam uma capacidade impressionante de detalhe e clarividência.
Uma autêntica lição de vida!!!
Recomendo a todos aqueles que vivem na "ilusão" do mundo dos sonhos! Está é uma dura realidade!!!

Conto Espiritual do Oriente



E QUEM TE PRENDE?


Angustiado, o discípulo foi visitar o seu mentor espiritual e perguntou-lhe com uma voz desanimada:

- Como me posso libertar, venerado mestre?

O preceptor respondeu:

- Meu amigo, e quem é que te prende senão a tua mente?


A mente é a grande amarra. Há muitas dificuldades no exterior e na vida quotidiana, mas as piores estão na própria mente. A mente está repleta de obstáculos e impedimentos (ofuscação, avidez, ódio, ciúme, inveja, cólera) que é preciso ir superando, para completar o processo de maturidade emocional e para ir favorecendo a criação de nós mesmos. A mente debate-se numa atmosfera rarefeita de obscurecimentos, medos e tendências neuróticas que geram confusão e dor. O pior inimigo está na mente. Mas a mente que prende é a mente que liberta, e a mente inimiga pode transformar-se em mente amiga se pusermos em prática a via do autoconhecimento e do desenvolvimento da mesma.


Ora nem mais!!!

Fonte: texto integralmente retirado do livro Os Melhores Contos Espirituais do oriente, de Ramiro Calle, Esfera dos Livros, 2006.


domingo, 17 de fevereiro de 2008

Mitos: A Caixa de Pandora


Pandora, a primeira mulher mortal, foi criada por vários deuses, por ordem de Zeus, para espalhar a destruição depois de Prometeu ter roubado o fogo do céu. Hefeso (vulcano) deu-lhe a forma; Afrodite (Vénus) deu-lhe a beleza; Hélio ensinou-a a cantar; Hermes (Mercúrio) ensinou-a a lisonjear e a iludir; e Atena (Minerva) vestiu-a. Embora Prometeu dissesse a Epimeteu que recusasse quaisquer presentes de Zeus, ele aceitou Pandora e casou com ela. Tal como se esperava, ela trouxe o caos, abrindo uma caixa proibida e libertando todos os males do mundo que se encontravam fechados. Só ficou a cega Esperança - Pandora convenceu-a a sair para confortar a humanidade.
Fonte: PHILIP, Neil, Comentar Mitos e Lendas, Dorling Kindersley - Civilização Editores, 2007
Imagem: Pandora, de Dante Gabriel Rossetti (1828-82)

Katie Melua - "Pictures"


Um excelente disco, uma brilhante intérprete.


Depois de ouvirmos 'If You Were A Sailboat', jamais poderemos voltar a ser os mesmos.



A musica é mesmo bonita. O videoclip http://www.youtube.com/watch?v=x25F3-sR2Yo&feature=related é mais bonito ainda, dá-nos uma espécie de visão "naïf" do paraíso. Esta ingenuidade primitiva funciona como uma simbiose de desejos infantis, como uma bela peça de teatro, em que os fantoches melancólicos, somos nós.



Sem dúvida, recomendado!!!

Control de Anton Conbijn


Considerado pelo The Guardian como o melhor filme do ano, Control de Anton Conbijn, retracta a vida e obra de Ian Curtis, o jovem e sempre eterno vocalista dos Joy Division, que aos 23 anos se suicidou, colocando fim a uma breve vida atormentada, não só pelos problemas de epilepsia mas também de amores complexos que parecem transcender a sua própria vontade. Arrisco a dizer, que morreu atormentado pelo êxtase da experiência da vida. Viveu uma vida que não era sua. Tinha tudo, e no entanto era tão novo!!!

Acerca da sua morte, o JN de 18 de Maio de 2005 escreve:

" Há precisamente 25 anos, Ian Curtis, o epicentro criativo dos ingleses Joy Division, suicidou-se. Na noite anterior, tinha pedido à mulher que o deixasse sozinho em casa. Fumou cigarros, esvaziou uma garrafa de whisky, pôs a girar o vinil "The idiot", de Iggy Pop, viu na televisão o filme "The Stroszek", de Werner Herzog, e escreveu uma carta "Já não aguento mais", lia-se, à segunda frase.

Por volta das cinco da madrugada, Ian Curtis colocou uma corda à volta do pescoço e enforcou-se.

Era novo, demasiado novo - tinha 23 anos. O episódio colocou um dramático ponto final na carreira dos Joy Division e, mais do que isso, catapultou o cantor para o estatuto de um dos grandes mitos da história do rock. A sua morte voluntária já foi alvo de inúmeras interpretações, especulações e divagações. Uns dizem que sempre fora seu desejo morrer novo. Outros asseguram que foi o excesso da medicação que Curtis tomava para curar os seus cada vez mais frequentes ataques de epilepsia. E também há quem arrisque dizer que Ian Curtis resolvera desistir de lutar contra os sismos desencadeados por uma relação com uma amante."1

Aconselho todos a lerem "Carícias Distantes" de Deborah Curtis, a biografia de Ian Curtis escrita pela mão da sua própria esposa, mãe do seu filho e mulher traída e abandonada. A páginas tantas do livro, escreve sobre as palavras cortantes de David Hare, que latejavam compulsivamente na cabeça de Ian:
«Não há conforto. A vida tira-nos o ânimo. Temos sonhos de partir e é assim com toda a gente que conheço»,
e mais á frente interrogar-se-á: «Quão infeliz se terá que ser para que a vida pareça pior que a morte?»2
Da antologia poética de Ian Curtis/Joy division, deixo-vos "O Eterno" (1980)
«A procissão prossegue, a gritaria acabou,
Louvor á glória dos amados que se foram.
A falar alto enquanto se sentam ás mesas,
Espalhando flores arrastadas pela chuva.
Fiquei junto ao portão no fundo do jardim,
Vendo-os passar como nuvens no céu,
Tento gritar no ardor do momento,
Possuído por uma fúria que queima por dentro.
Choro como uma criança, e estes anos fizeram-me velho,
Com crianças tenho longamente desbaratado o tempo,
Um fardo a carregar, apesar da sua comunhão inteiror,
Aceite como uma maldição um acordo infeliz.
Brinquei no portão ao fundo do jardim,
Alongo a vista desde a sebe até ao muro,
Não há palavras que expliquem, nem acções que determinem,
Fico-me a observar as árvores e as folhas que caem.»3
Fontes:
1 Jornal de Notícias, de 18 de Maio de 2005.
2 CURTIS, Deborah, Carícias Distantes, Lisboa, Assírio & Alvim, 1996.
3 CURTIS, Ian, DIVISION, Joy, antologia poética, tradução de José Alberto Oliveira, Lisboa, Assirio & Alvim, 1996.

L'Apocalypse Panoramique



Para quem gosta de fotografia, recomendo a publicação francesa PHOTO. Na sua edição n.º 443, a revista publica inéditos da obra do fotógrafo David Lachapelle, que esteve patente numa exposição em Milão, com destaque para L'Apocalypse Panoramique, a sua mais recente criação.
David Lachapelle é considerado "o fotógrafo das celebridades" ou, como o descreveu o NYT, "o Fellini da fotografia".
Para acompanhar melhor a sua obra, visitem o seu site na internet http://www.davidlachapelle.com/home.html

Jorge Reis-Sá



Sexta-feira, 15 de Fevereiro de 2008, conferência com o autor.

Conheci o homem e revelo aqui uma inconfidência: não consigo compreendê-lo!

É um homem inteligente, interessante, por vezes brilhante, mas de uma sensibilidade mecanizada, ou seja, algo elaborada, algo fictícia ou melhor, uma tentativa utópica de ser assim. Eu não acredito! Seria legitimar Platão na sua condenação aos Poetas. E reforçei esta ideia, depois de ler "Vou para casa", o livro que o autor gentilmente me ofereceu. A melancolia de um desejo que não chegou, esse desejo incongruente de viver aquilo que se pode ter vivido, mas vivê-lo sentindo o que se quer sentir. Na verdade, ao saborear o livro, pensei estar a ler Baudelaire e as suas saborosas "Flores do mal", ou ainda "Sands at Seventy" do fabuloso Walt Whitman, mas não, é simplesmente um homem que deseja ardentemente chegar a casa. Qual Ulisses desejoso de chegar á bela Ítaca.

Deixo-vos o fabuloso "O Aparador":

"A casa está escondida por entre a vegetação. Há no bosque um limite para a verdade.

Lá dentro, o aparador tem o pó dos anos. A Casa na árvore desapareceu. A vida trouxe o passado. O melhor sentido das coisas é a sua memória."1

1 - Fonte: REIS-SÁ, Jorge, Vou para Casa, Edições Quasi, 2008.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

O Homem da minha Terra



Nascido nos confins mais remotos deste mundo, nesta verdejante terra abarcada por intimidantes bosques que nos fazem sonhar, eis a fértil casa do homem mais ilustre da minha terra: Tomáz Pereira.

Nascido no longínquo ano de 1641, em Vale S. Martinho, Tomáz Pereira foi, talvez, um jovem como todos os outros, na sua época. Viveu interiorizando na sua individualidade, a religiosidade colectiva de um povo, outrora tal como ainda hoje, subordinado a uma escravidão moral, perpetuada por uma ausência de razão e pela imposição de mitos como factor privilegiado da vivência e da experiência humana.

Todo esse ambiente, um tanto ou quanto escatológico, fez nascer em si uma ambição missionária de converter o mundo á sua própria fé. Talvez fascinado por um idealismo lúdico, elitista e cerimonial, converteu-se á mais importante ordem religiosa cristã: os Jesuitas.
Foi a 25 de Setembro de 1663, imbuído nesse espírito supra-religioso, quase metafísico, que ingressou na Companhia de Jesus, sendo admitido no Convento de Coimbra. Passados três anos, em 1666, embarca para a India, afim de desenvolver o seu espírito missionário e levar além mar a sua palavra de fé. Ao que consta, tudo lhe correra da melhor forma, era admirado por todos aqueles que o rodeavam devido, em grande parte, á sua capacidade criativa, ao seu espírito de missão e á sua proeminente perspicácia oratória. Já aí se denotava as suas qualidades diplomáticas.
Pouco se sabe da sua estada na India, no entanto, em 1672 e atendendo ao interesse manifestado pelo Imperador Chinês Chang-Hi (Dinastia Ming), desembarca na China.
Tomáz Pereira foi o primeiro homem a introduzir na China a teoria musical ocidental. Este pormenor tornou-o amigo íntimo do Imperador, que o cumulou de honrarias. A maior de todas foi, sem dúvida, o tê-lo feito responsável pelo primeiro documento diplomático entre a Ásia e a Europa (o tratado Sino-Russo de Nerchinsk, 1689). Foi assim feito mandarim, a maior de todas as honras na China Imperial.
A sua amizade, dedicação e devoção ao Imperador, deu os frutos que mais desejava, e em 1692 consegue com que o Imperador introduza na China, a primeira lei de liberdade religiosa. Em agradecimento, o Jesuita escreve ao Imperador:
"Era este o nosso único desejo, a só esperança que nos ia sustentando e o termo a que nos encaminham dia e noite os nossos pensamentos e aspirações: chegar ao felicíssimo momento em que, por graça de Vossa Magestade, nos fora outorgada a liberdade de pregar publicamente neste vasto império o culto do Verdadeiro Deus. Por este motivo, bem o sabe Vossa Magestade, deixámos nossas familias e nossas Pátrias e viemos através de tantos perigos colocar-nos ao serviço de Vossa Magestade. Já nos tinha cumulado de favores sem conta mas a graça que hoje nos faz, excede-os a todos e lhes vem pôr o remate."
Este padre, que chegou a ser presidente do Observatório Astronómico Chinês, centro nevrálgico do pensamento ciêntífico Chinês do Séc. XVII, morreu em 1708 e como última das honrarias do Imperador, este mandou fazer a lápide do seu túmulo e escreveu ele próprio o epitáfio: "foste um perito em música e no calendário, os instrumentos que construíste foram todos oportunos...".
Em 1997, aquando da visita do Presidente da República, Jorge Sampaio, á China, o então ministro Chinês da ciência indicou o nome de Tomáz Pereira para baptizar um instituto de história e ciência Chinês.
Em 2008, Portugal e a China assinalam os trezentos anos da morte deste homem. Um homem práticamente desconhecido no seu País, mas que a sua vida transcênde a nossa tentativa de o conhecer, compreender e admirar.

A Causa Primeira


A génese deste caminho, que se espera longo e profícuo, proveio da necessidade de exprimir e registar, o que de mais belo e interessante se passa nesta fértil experiência que é a vida.

Acompanham-me neste trajecto, todos aqueles que comigo compartilham da ideia, de que o mundo se faz pensando. As pedras que sustentarão esta calçada, serão sobretudo de matriz reflectiva, opiniões, curiosidade, divulgação poética, filosófica e cultural, e tudo o resto.

Sejam bem-vindos a esta aventura, que espero fantástica e alucinante. Aceito e agradeço o contributo de todos vós para esta simples mas delicada jornada.
Para finalizar este primeiro post, deixo uma máxima de François de La Rochefoucauld, retirada do manuscrito de Liancourt: "Como os mais felizes do mundo são aqueles que precisam de pouco, os grandes e os ambiciosos são, deste ponto de vista, os mais miseráveis, porque precisam de angariar uma infinidade de bens para se sentirem felizes".1

1 ROCHEFOUCAULD, François de La, Máximas e Reflexões Morais, Prefácio, tradução e notas de Raúl Mesquita, Lisboa, Edições Sílabo, 2008 .