A chave da Filosofia de Espinosa é o monismo, isto é, a ideia de que há apenas uma substância, a substância divina infinita, idêntica á Natureza: Deus sive Natura, «Deus ou a Natureza». A identificação de Deus com a Natureza pode ser entendida de duas maneiras diferentes. Se considerarmos que «Deus» é, no seu sistema, apenas uma maneira codificada de referir o sistema ordenado do Universo natural, então Espinosa apresenta-se-nos como um ateu menos que cândido. Se, por outro lado, supusermos que ele está a dizer que, quando os cientistas falam de «Natureza», estão na realidade a falar de Deus, então surge-nos, nas palavras de Kierkegaard, como um «homem embriagado de Deus».
O ponto de partida oficial do monismo de Espinosa é a definição de substância de Descartes como «aquilo que de nada mais precisa, senão de si própria, para existir». Esta definição só se aplica literalmente a Deus, uma vez que tudo o resto tem de ser criado por Deus e por Deus pode ser aniquilado. Descartes, porém, contava entre as substâncias não apenas Deus, mas também a matéria criada e as mentes finitas. Espinosa levou a definição mais a sério do que o próprio Descartes e retirou dela a conclusão de que apenas existe uma substância: Deus. A mente e a matéria não são substâncias; o pensamento e a extensão, suas características definitórias, são na realidade atributos de Deus, de maneira que Deus é, simultaneamente, uma coisa pensante e uma coisa extensa. Sendo Deus infinito, argumenta Espinosa, tem de ter um numero infinito de atributos; mas o pensamento e a extensão são os únicos que conhecemos.
Não existem outras substâncias além de Deus porque se existissem, constituiriam limitações a Deus, e Deus não seria, como é, infinito. As mentes e os corpos individuais não são substâncias, mas apenas modos, ou configurações particulares, do dois atributos divinos do pensamento e da extensão. Assim sendo, a ideia de uma coisa individual implica a essência eterna e infinita de Deus.
Na teologia tradicional, todas as substâncias finitas estão dependentes de Deus, seu criador e causa primeira. Aquilo que Espinosa faz é representar a relação entre Deus e as criaturas não em termos físicos de causa e efeito, mas nos termos lógicos de sujeito e predicado. Qualquer afirmação aparentemente sobre uma substância finita é, na realidade, uma predicação sobre Deus; a maneira adequada de nos referirmos a criaturas como nós é utilizando não um substantivo, mas um adjectivo.
Tendo a «substância» um tão profundo significado para Espinosa, não podemos tomar como certo que ela exista de todo. Nem o próprio Espinosa o toma como certo: a existência da substância não é um dos seus axiomas. A substância aparece pela primeira vez, não num axioma, mas numa definição: ela é «aquilo que é em si e concebido por si». Outra das definições iniciais de Deus apresenta-o como substância infinita. As primeiras proposições da Ética são dedicadas a demonstrar que existe, no máximo, uma substância. Só na proposição XI nos é dito que existe pelo menos uma substância. Esta substância é infinita e é, portanto, Deus.
«Na Natureza, nada há de contingente; tudo é determinado pela necessidade de a natureza divina existir e operar de uma certa forma.»
Apesar da necessidade com que a Natureza opera, Espinosa afirma que Deus é livre. Isto não significa que tenha alternativas, mas apenas que existe pela mera necessidade da sua própria natureza e está livre de determinações exteriores. Tanto Deus como as criaturas são determinados, mas Deus é autodeterminado, enquanto as criaturas são determinadas por Deus. Há, contudo, graus de liberdade, mesmo para os seres humanos. Os últimos dois livros da Ética intitulam-se «Acerca da Servidão Humana» e «Acerca da Liberdade Humana». A servidão humana é a escravização ás nossas paixões; a liberdade humana é a libertação por meio do nosso intelecto.
Os seres humanos julgam, erradamente, que tomam decisões livres e não determinadas; não conhecendo as causas das nossas decisões, partimos do princípio de que ela não tem causa. A única libertação verdadeira consiste em tornarmo-nos conscientes das causas ocultas. Todas as coisas se esforçam por persistir no seu ser, ensina Espinosa; a essência das coisas é acompanhada pela consciência, e a esta tendência consciente chama-se «desejo».
o prazer e a dor são a consciência de uma transição para um nível superior ou para um nível inferior de perfeição da mente e do corpo. Todas as outras emoções derivam dos sentimentos fundamentais de desejo, prazer e dor. Mas temos de distinguir emoções activas de emoções passivas. As emoções passivas, como o medo e a ira, são geradas por forças externas; as emoções activas resultam da compreensão que a mente tem da condição humana.
Quando temos uma ideia clara e distinta de uma emoção passiva, ela transforma-se numa emoção activa; a substituição das emoções passivas por emoções activas é o caminho para a libertação.
Temos de afastar, em particular, a paixão do medo, e especialmente o medo da morte. «Um homem livre em nada pensa menos do que na morte; a sua sabedoria é uma meditação, não sobre a morte, mas sobre a vida.»
A chave para o progresso moral é a avaliação da necessidade de todas as coisas. Deixaremos de sentir ódio pelos outros quando percebermos que os seus actos são determinados pela Natureza. Devolver o ódio apenas o faz aumentar; mas responder-lhe com amor derrota-o. Aquilo que temos de fazer é lançar um olhar divino a todo o esquema natural das coisas, vendo-o «á luz da eternidade». Esta visão é, simultaneamente, um amor intelectual de Deus, uma vez que Deus e a Natureza são um só e, quanto mais compreendemos Deus, mais o amamos.
O amor intelectual da mente por Deus é exactamente a mesma coisa que o amor de Deus pelos homens, ou seja, é a expressão do amor-próprio de Deus por meio do atributo do pensamento. Mas, por outro lado, Espinosa adverte-nos para o facto de que «aquele que ama a Deus não pode esforçar-se para que Deus o ame também». Na realidade, se queremos que Deus nos ame em troca do nosso amor, queremos que Deus não seja Deus.
Espinosa rejeita claramente a ideia de um Deus pessoal, tal como é concebido pelos judeus e pelos cristãos ortodoxos. Também considera uma ilusão a ideia religiosa da imortalidade da alma. Para Espinosa, a mente e o corpo são inseparáveis: a mente humana mais não é, na realidade, do que a ideia do corpo humano. «Só se pode dizer que a nossa mente permanece, e que a sua existência tem limites temporais, na medida em que isso envolve a existência efectiva do corpo.» Mas, quando a mente vê as coisas á luz da eternidade, o tempo deixa de contar; o passado, o presente e o futuro são iguais, e o tempo é irreal.
Para Espinosa, não devemos preocupar-nos com o futuro nem sentir remorsos relativamente ao passado. A existência definitiva de qualquer mente como parte do Único Universo infinito e necessário é uma verdade eterna; olhando as coisas á luz das verdades eternas, a mente capta o Universo interminável, necessário e eterno. Nesse sentido, qualquer mente é eterna, e pode-se considerar que existia antes do nascimento e que existirá depois da morte.
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Fonte: KENNY, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, Temas e Debates, Lisboa, 2003.
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