domingo, 2 de março de 2008

O Libanês


Khalil Gibran foi, sem dúvida, o maior poeta e pensador da história recente do Libano. Nascido em 1883, mergulhou nas profundezas do espírito do homem, na essência e na sua condição, reflectindo profundamente acerca da vida e do seu significado. Viveu em Paris, conhecendo e convivendo com Rodin, Debussy e Edmond Rostand. Para a história, fica a sua capacidade de compreender a problemática necessidade do homem conhecer a sua condição humana, social e religiosa. Morreu em 1931, deixando para a posteridade a sua obra-prima O Profeta.

Ao lermos toda a sua obra, tenderemos a dar razão a Derrida quando diz que escrever é um acto "autobiotanatográfico", ou seja: o autor escreve de si, sobre si e para si e a sua escrita é um acto de morte, é algo que se perde, que se arranca ao seu ser para contemplar a humanidade.

Deixo-vos um seu magnífico texto sobre a amizade, a quem dedico a uma amiga muito especial, que foi contemplada com o prazer de gerar vida na sua própria vida.

A Amizade

Um jovem disse: Fala-nos da Amizade.

- O vosso amigo é a resposta ás vossas necessidades. É o vosso campo semeado com dedicação e amor. É a vossa mesa e a vossa casa, porque recorreis a ele para saciar a vossa fome e para vos recolher na paz da sua amizade.

Quando o vosso amigo revela o seu pensamento, não temais o não do vosso próprio espírito, nem lhe recuseis o sim. E quando ele estiver silencioso escutai com o coração o que ele diz.

Porque na amizade todos os pensamentos, todos os desejos, todos os sonhos nascem sem palavras e partilham-se numa alegria de silêncio.

E quando tiverdes que vos separar do vosso amigo não vos preocupeis, porque aquilo que mais amais nele fica ainda mais claro na sua ausência, como para o alpinista para quem a montanha é muito mais nítida quando a olha da planície.

É que não há outro fim na amizade a não ser o aprofundamento do espírito. Como o amor que busca algo mais além da revelação do seu próprio mistério, não é amor, mas uma rede atirada onde apenas o inútil fica preso, é que o melhor de vós deve ser oferecido ao amigo.

Se ele tem de conhecer o refluxo da vossa maré, que conheça também o fluxo. pois, para que servirá o amigo se o procurais apenas para matar o vosso tempo?

Buscai-o antes nas horas vivas, porque ele está ali para resolver a vossa necessidade de consolo e não para encher o vosso vazio.

E que na doçura da vossa amizade exista também o riso e os pequenos prazeres partilhados. Porque no orvalho das pequenas coisas é que o coração encontra a sua manhã e a sua frescura.

Fonte: Poesia mais-que-perfeita, Alma Azul, 2005

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